Sorte a sua que sou romântico
A você, que (não) me procura.
Seus olhos eram embriagados de uma loucura que eu desconhecia. Havia um magnetismo nas pupilas dilatadas; destiladas. Delatadas. Você nunca conseguiu esconder um segredo de mim. Por mais insignificante que fosse. Era sua raiva. Meu triunfo.
- É o fim. – eu disse me referindo ao nosso romance. Você entendeu.
- O que se há de fazer? Tudo já nasce condenado. – conformismo nunca te alcançou de forma tão contundente.
- Você esperava? – minhas palavras vinham aos lábios como flechas, sem eu perceber ou controlar.
Seu consentimento foi tácito. Percebi enquanto você rodava o copo com o dedo indicador na borda, fazendo o objeto se inclinar de forma perigosa, suicida, quase.
- Disseram que nenhum homem é uma ilha. Eu acho que sempre foi. – foram suas palavras, num discurso péssimo, pessimista.
Então me encarou com saudade, de tempos que ainda não tínhamos vivido.
- Os laços se desfazem facilmente, não percebe? Esquecemos que, para deixar firme, é preciso dar um nó. – sua boca continuou. Você não. Você era distante das próprias palavras.
- O amor, pra ser amor, não precisa de toque. – eu deixei escapar, numa (in)sensibilidade que me assustou.
- Eu sei lá de amor. Quem se dá conta daquilo que transborda do peito? Alguns chamam de amor. E se pra mim for outra coisa? Algo maior?
- Algo maior que o amor? – eu estava confuso, confesso.
O restaurante não estava cheio. Uma moça cantava no palco, enquanto tocava violão. Uma vozinha macia que entrava de um jeito gostoso de ouvir. Você sorriu. Não sei se da minha pergunta, ou da idéia que passou pela sua cabeça. Foi quando você se levantou, seguiu até o palco, cochichou algumas palavras com a moça do violão depois de interrompê-la. Meus olhos cuspiam lágrimas, nem sei por quê.
- “Desculpe estou um pouco atrasada, mas espero que ainda dê tempo, de te dizer...” – sim, era sua voz, cantando aquela música do Nando Reis que eu sonhei tantas vezes te ouvir cantando, vinda do palco, acompanhada do som do violão que você não tocava, e sim a moça.
Daí em diante, foi como se você estivesse cantando ao meu ouvido. Com um pedido de desculpas intrínseco e uma voz amargurada de quem pede um beijo imediato. Eu teria pegado você pelos cabelos, tirado você do palco, brigado por ter me feito passar tamanho vexame.
Mas não o fiz. Meus sentidos eram todo atenção à sua performance. De um jeito inusitado, você me afastou o mau presságio da nossa conversa inicial. Depois do seu show, tão particular quanto nossas conversas de sábado à tarde, sentados descalços em um tapete altamente alérgico da sua sala de estar, você desceu do palco com um emaranhado de estrelas nos cabelos. Aproximou-se de mim.
- Pode me bater, se quiser. Quis ser louca. Sua. Quis te perder em breve instante só pra poder te encontrar de novo.
- Não vou bater. Nem brigar.
- Não?! – sua cara era de desapontamento.
- Não. É que sou romântico. Sorte sua.
Algum bêbado aplaudiu. Nós rimos. A lua, lá fora, atravessava seus olhos, buscando, quiçá, as estrelas dos cabelos. Você estava diferente naquela noite. Eu não soube dizer por quê. Mas havia algo maior. Dentro ou fora, não sei. Um incômodo. Algo que transbordava, insistentemente. Você segurou minhas mãos. E qualquer resposta pareceu pequena, imprópria. Fugaz.
Foi um desses sonhos que a gente não queria, e nem deveria, acordar. “Sonho parece verdade quando a gente esquece de acordar” (Teatro Mágico).
Mas os laços são bem mais agradáveis que os nós. Fato.
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