sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Das coisas que eu queria ouvir

Naquele dia-a-dia, chegou o dia. Eu abri a porta de casa, carregando meus cadernos, bolsas e as contas a pagar. Quase que visito o chão ao passar despercebida pelo pedaço de papel amarelo, canto de catálogo telefônico, que estava por ali. Era um bilhete do porteiro. Pensei que já seria mais problema, reunião ou pagamentos. Me dei prioridade. Coloquei o papel de lado, tirei os saltos. Fui à cozinha, ao quarto. Me sentei para cumprir atividades. Olhei o papel. Li. Mas o que será que o porteiro estava guardando para mim? Desci. Lá estava ele. Como entrei pela garagem nem o vi. Eis que de trás do balcão surge, inesperadamente, um buquê de rosas. Aquela malicia adulta perpassa seu rosto. Agradeço. Volto estonteada. Surge a idéia de procurar por um cartão. Então eu acho. É seu, meu amor. Aqueles escritos, em aramaico quase, que eu aprendi a decifrar na escola enquanto rabiscava “te amo(s)” pelo seu caderno. Aquele que me escreveu “te amo(s)” também. Pena que não escreve mais. Ou não escrevia. Era simples, você tinha lembrado, talvez um pouco tardiamente, que eu gostava de rosas e resolveu me mandar. Eu engoli. Não consigo enxergar maldade, até hoje, no nosso relacionamento juvenil. Já era noite. Resolvi deitar. Não segui as regras de etiqueta, não corri para o telefone. Deus, quem diria! Dormi e sonhei com você, meu bem, que graça! Há muito já havia me esquecido de te visitar em sonhos. Como foi bom reconhecer a ternura de seu abraço, seu olhar brilhante, seu sorriso iluminado. Deitamos para rever um dos vários filmes que assistimos juntos, abraçados, quando ainda éramos mais nossos. Acordei. Não, a nossa música já não é mais o meu despertador. Mas mesmo assim, acordei pensando em você. Olhei para as flores então na água. Já não tinha mais a mesma cor da noite passada. A flor, como o amor, desbota pouco a pouco. Apesar de sempre deixar sementes potencialmente capazes de se fazer reviver. Tomei meu café. Tomei meu banho, me arrumei. Juntei as coisas apressadas e quase me esqueço do celular. E da agenda! Ah a agenda! Seu telefone já se confundiu aos montes de números que tomaram prioridade. Ainda será o mesmo? Olhei o cartão, não havia telefone. Decidi tentar por aquele antigo, mas quando passasse pelo caótico trânsito. Cheguei no escritório, distribui “bom dia(s)”, e me sentei. Me envolvi em trabalhos, em estudos. Seu cartão caiu do meu colo. Me lembrei do sonho, da realidade perdida. Busquei voltar ao trabalho mas, por Deus, que lástima! Não agüentei. Te liguei naquele número. Chamou! Você me atendeu. Céus, sua voz me arrepiou e recuperou lembranças de uma pessoa que eu nem lembrava ter sido. Claro, almoçar dentro de duas horas. Em um restaurante que eu não me lembrava de ter ido com você. Cheguei, atrasada. Afinal, tem coisas que nunca mudam, como você mesmo disse. Olhei seu rosto, enquanto você olhava o meu. Tanta coisa tinha se passado e eu ainda encontrava seus detalhes, tão bem guardados e agora tão vivos, nas curvas de seu rosto. Seus olhos brilhavam daquele modo que eu conhecia. Ri, nervosa. Conversamos. Meu coração palpitava, minha cabeça se recusava a acreditar e meu corpo desejava o seu ardentemente. Continuava com aquele sorriso bobo, que você sempre soube colocar no meu rosto. Almoçamos. A rotina nos clamava. Combinamos um jantar, mais tarde em seu apartamento. Lembrava até do gosto diferente que a água tomava quando me dada por você. Esqueci das tarefas de casa. Pensava somente em te encontrar novamente. Cheguei, você estava tão lindo. Seu charme, que sempre fora tão angelical, me domou de um jeito intenso. Mas tomei cuidado. Amigavelmente, conversamos, jantamos e falamos de tudo que nos vinha à cabeça. Que coisa é a vida. Antes sabia tantos detalhes de você, e agora num ritmo descontrolado, perguntava de cada parente que quase me falhava a memória. Passamos um bom tempo. Resolvi voltar, estava tarde. Você me pediu pra ficar, mas disse ser em vão. Te queria, te quero. Você me beijou. Não era o mesmo beijo que eu me lembrava, mas ainda tinha a mesma magia de antes. Cedi. Quis saber seus limites comigo. Nenhum. Como tinha eu desejado isso! Éramos nós, éramos dois, éramos um. Era este o momento. Você percebera que era eu. Era eu quem seu coração sempre clamou, sempre implorou, sempre desejou. E quem você sempre negou. Rimos da situação. Chegava a ser estranho, mas se sentia certo. Para surpresa de muitos que se perderam pela vida, juntamos, vivemos. Gastou-se tempo. Mas eu te convenci com retórica fraca, juvenil. Você então me disse que me amava, que me queria, que era eu e mais ninguém. Nas nossas brigas, te dizia que quando você voltasse atrás seria tarde. Mas não foi.

5 comentários:

  1. Sua sensibilidade me arrepia, meu bem!

    Bom demais ver a mulher que você se tornou!
    ;)

    te amo!

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  2. Que violência hein, srta. tha?!
    Texto muito bom.
    Ddey falou pra eu ler e valeu a pena, porque vc escreve muito clara e objetivamente.
    E realmente acho que com o tempo, as coisas mudam, mesmo que nós não queiramos.
    Porém, o que mudou tem ainda um pouco do que era antes e essa acho que é uma caracteristica da mudança: na verdade, nós não mudamos, e sim "escrevemos" por cima do que queremos mudar.

    Amo vc, tha! s2
    beijão

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  3. Nossa, eu queria que vc estivesse aqui do lado p/ te dar um abraço por esse texto!

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  4. Uuuui...
    Arrepio meeeesmo!
    PER-FEI-TO, Tha!

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  5. Arrasou!
    Este fragmento..."Você me atendeu. Céus, sua voz me arrepiou e recuperou lembranças de uma pessoa que eu nem lembrava ter sido."...traduz de alguma forma partes submersas de mim.
    O post inteiro é lindo.

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