sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sobre Vendas e Gruilhões *





Deixa-me falar? Você me calou esse tempo todo com suas bugigangas e penduricalhos. Aparecia toda perfumada com “tênis da Nike e relógio da Adidas”. Eu a observada de longe. Tão bonita você é. Mas aquilo foi me agoniando. Que beleza é essa que cega seus olhos para a crueldade do mundo? Já observou o homem revirando o lixo na entrada da faculdade enquanto você descia do seu carro zero quilômetro? É tão bonito ter dinheiro pra se ir ao shopping e comprar mais uma bolsa pra coleção ou viajar para lugares “chatos, bobos e feios”. É tão atraente se exibir pras colegas, vestindo todos os dias blusas de marcas diferentes. Alguém já viu seu interior? Ou você fica escondendo com seus batons e pó? Diga-me se há algo em você que a incomoda. Diga-me se a injustiça do mundo lhe causa algum furor. Diga-me se você, alguma noite, parou para olhar as estrelas e agradeceu pelo ar que respirava. Já vai? Escuta só mais um pouco. Esse tempo todo você me fez digerir sua beleza febril, assistindo seus desfiles inigualáveis.

Agora desça um pouco do seu salto alto. Ponha os pés no chão e observe tudo aquilo que você evitou enxergar. A vida não é feita de algodão doce. O mesmo dinheiro que você usa pra desperdiçar na loja de apetrechos pro seu cachorrinho é o mesmo dinheiro que clama o estômago do garotinho que vende balas no sinal. A vida não é feita de roda gigante. Você não está sempre acima dos outros. Veja quanta podridão, quantos olhos mareados, quantos corpos à pele e osso, quantas pessoas que não sabem nem o que é sonho porque perderam a esperança em qualquer esquina. Eu sei que você não tem culpa. Sei disso. Mas não maquie sua realidade. Jogue fora esses grilhões e essas vendas que a impedem de ver. Depois disso, você pode voltar a desfilar, porque aí sim seu sorriso vai ser diferente. Você terá entendido. E sua beleza se destacará no meio da multidão.


* Texto “inspirado” em uma dessas mulheres que eu vejo há 15 anos, praticamente todos os dias. Em uma dessas mulheres que realmente são lindas de se ver, mas que não parecem ver além do muro das belas casas e lugares para que viajam. De tudo, não é só para ela. É para todos nós. Tentativa primeira de um futuro “ensaio sobre a cegueira”.

3 comentários:

  1. AGRESSIVO. texto muuito foda! parabens dedey ;*

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  2. "Mas não maquie sua realidade."

    WOWW, que beleza!
    Genial o texto assim como vc ddey!
    Parabéns! ;D

    Abração

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