segunda-feira, 20 de abril de 2009

Insetos interiores.

Carolina (e o nome é hermético, conciso) queria ser uma gata, queria ter 7 vidas, já desperdiçara - ainda que não percebesse - uma. Os cães dormem, toda a vizinhança parece dormir àquela altura da madrugada. Carol sorri para o meio silêncio que envolve a viela. Ela irá dormir como se houvesse a certeza de ter sido contagiada com a sina de viver mais seis vidas além daquela. Pacífica e interiorana vidinha humana de solidão propositada. Nada de companheirismos, nem meninos, nem meninas. Na verdade, o que Carol queria é ser um bicho solto, povoar os telhados do mundo de bichanos sem dono. Vociferar gemidos estridentes pelas madrugadas sem a vergonha da qual os humanos produzem em si, quando o outro arregala olhos e escancara ouvidos para colher dos podres que o alheio agrega a si mesmo. Tudo em nome da infeliz munição, proposta de apontar resquícios de que o pior do mundo se esconde por manias vizinhas.

" A Metamorfose ou Os Insetos Interiores ou O Processo
O Teatro Mágico

Composição: Fernando Anitelli

Notas de um observador:

Existem milhões de insetos almáticos.
Alguns rastejam, outros poucos correm.
A maioria prefere não se mexer.
Grandes e pequenos.
Redondos e triangulares,
de qualquer forma são todos quadrados.
Ovários, oriundos de variadas raízes radicais.
Ramificações da célula rainha.
Desprovidos de asas,
não voam nem nadam.
Possuem vida, mas não sabem.
Duvidam do corpo,
queimam seus filmes e suas floras.
Para eles, tudo é capaz de ser impossível.
Alimentam-se de nós, nossa paz e ciência.
Regurgitam assuntos e sintomas.
Avoam e bebericam sobre as fezes.
Descansam sobre a carniça,
repousam-se no lodo,
lactobacilos vomitados sonhando espermatozóides que não são.
Assim são os insetos interiores.

A futilidade encarrega-se de maestra-los.
São inóspitos, nocivos, poluentes.
Abusam da própria miséria intelectual,
das mazelas vizinhas, do câncer e da raiva alheia.
O veneno se refugia no espelho do armário.
Antes do sono, o beijo de boa noite.
Antes da insônia, a benção.

Arriscam a partilha do tecido que nunca se dissipa.
A família.
São soníferos, chagas sem curas.
Não reproduzem, são inférteis, infiéis, in(f)vertebrados.
Arrancam as cabeças de suas fêmeas,
Cortam os troncos,
Urinam nos rios e nas somas dos desagravos, greves e desapegos.
Esquecem-se de si.
Pontuam-se

A cria que se crie, a dona que se dane.
Os insetos interiores proliferam-se assim:
Na morte e na merda.

Seus sintomas?
Um calor gélido e ansiado na boca do estômago.
Uma sensação de: o que é mesmo que se passa?
Um certo estado de humilhação conformada o que parece bem vindo e quisto.
É mais fácil aturar a tristeza generalizada
Que romper com as correntes de preguiça e mal dizer.
Silenciam-se no holocausto da subserviência
O organismo não se anima mais.
E assim, animais ou menos assim,
Descompromissados com o próprio rumo.
Desprovidos de caráter e coragem,
Desatentos ao próprio tesouro...caem.
Desacordam todos os dias,
não mensuram suas perdas e imposturas.
Não almejam, não alma, já não mais amor.
Assim são os insetos interiores."

Como diria o Rappa (que vem no dia 15/5, fica-a-dica): "nosso som não é barulho, nosso grito não é aviso esquecido no entulho do folião sem juízo".

Andrey S. Brugger

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