Dentro do ônibus completamente lotado, um rapaz cantava. Cantava alto, parecendo que o ônibus era o banheiro da própria casa. Também batia no caderno, como uma percussão improvisada. Deveria ter seus vinte e cinco anos e possuía uma aparência comum, nada que acusasse uma provável loucura.
- Olha só como é lindo meu amor, estou feliz agora...
As pessoas olhavam. Alguns expressavam séria reprovação, outros ficavam rindo e ainda havia uns imperturbáveis. Eu ficava tentando imaginar o que levaria alguém a cantar num ônibus cheio. Seria um louco? Revoltado? Desiludido? Apaixonado? Sem noção?
- Fim de ano, vou embora de ‘Juiz de Fora’, que é pra eu ver o mar...Mas diz pra mãe lá pro final de fevereiro é que eu vou voltar...
Não dava sinais de desistência, nem reparava nos olhares de quem não queria ouvi-lo. Só continuava seu show sem perceber sua platéia furiosa ou debochada. Eu não estava muito incomodado com a voz, que por sinal era um tanto desafinada, e sim pelo fato de não conseguir ser tão corajoso ou louco, seja lá o que for.
- Agradeço por poder cantar, e ver você ouvir...ééé...
Depois de tanto refletir, decidi não ficar tentando explicar mais nada. Na entrada do ônibus havia alguns dizeres como: “Não fale com o motorista”, “Não fume” e “Não ultrapasse o limite de pessoas”, no entanto não havia nenhum aviso escrito: “Não cante”. E, apesar de alguns ficaram de cara feia, ninguém pediu para o Cidadão parar com o karaokê.
- E tentar entender essa mensagem, que eu quero transmitir...
Até simpatizei pelo ato no fim das contas. Ele continuava cantando e apareceu mais uma, duas, três vozes em coro. Até que o ônibus inteiro estava como um grande ônibus escolar. Os rostos se desanuviaram, as expressões se abriram e todos cantavam felizes. Eu também cantei, é claro. Louco, agora, era quem estava calado.
- Estou feliz agora...